Lomadee, uma nova espécie na web. A maior plataforma de afiliados da América Latina

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Jazz, limão e muito gelo

(...)

-Se você demorar muito eu não consigo me manter acordada e produtiva. (ar provocativo)

-Estou focado.

-Então comece.

-Você segue essa teoria para tudo o q faz?

-Sim. Para quê fugir a um paradigma q eu mesma, habilmente, criei?

-Talvez você estivesse se enganando. Você já se enganou?

-A todo momento eu me engano. Enganei-me quando reconhecia a liberdade nas inúmeras vezes que saía pra tomar um porre. Já me enganei com as vontades, com os deveres. Mas com a brincadeira, ah, brincando a gente nunca se engana.

-Contente-se com uma dose. Não precisa beber a vida toda numa tragada.

(música: georgia on my mind - ray charles)

-Você tem fogo?

-Pega a bituca. Perdi o isqueiro.

-É como esse cigarro que descobre a intimidade do meu lábio, depois se acaba. A vida tem disso, não é mesmo? O vai e vêm dos extremos. Eu gosto de fumar um cigarro, sentada aqui, com vento no rosto e um céu nublado. A vida também é nublada.

-Fumar é uma maneira de suspirar. Mas não é de amor, nem de cortejo. É um suspiro seco, de lamentação. Pena q a realidade nem sempre seja tragável.

-A realidade é o eterno desejo frustrado de um jovem em fazer um belo e inédito solo de guitarra. O amor, esse é uma peste.

-A peste é a juventude, q faz a gente sonhar. Feliz é aquele q não perde tempo sonhando, que casa com a filha da empregada e sente-se feliz. Não porque ele realmente o seja, mas sim, porque não sonha, apenas vive.

-Vou te contar uma história. Ah, melhor não. A timidez não me deixa.

-Conta Natália. Todos já devem saber mesmo.

-Conte uma você primeiro.

-Eu insisto, Natália. Conte você. Você me falava de amor. Que amor é esse que tanto te consome?

-A história é a seguinte: quando se respeita demais uma teoria, e essa teoria diz respeito justamente ao suposto amor perfeito, todo e qualquer controle se perde, é como se déssemos um salto em direção ao abismo, achando q ele se transformará no infinito, mas não, ele é um abismo e, de lá de baixo, quando você vê tudo o que terá de escalar... Ah, você percebe que qualquer teoria é um engano.

-O erro do abismo é q ele tem fim. Assim como as teorias, que nos levam à vertigem de um porre, nos torna imbatíveis. Até q vem a ressaca e põe à mostra todos os nossos defeitos. Bota no espelho a imagem da pessoa q você poderia ser, mas não é.
Você me perguntava o que me deixa triste. Os espelhos me deixam triste. E quando vejo você, é isso q vejo: um espelho.

-Passa o cinzeiro...

-O ziguezague da sua revelação me desperta uma curiosidade aguda: como se dilui o espelho e quais as letras que esse líquido todo vai formar?

-Toma

-São somente duas: eu. O líquido é vasto, mas se dilui facilmente. Os excessos escorrem por mim e formam, no chão, uma poça cinza q invade o lavabo. Olho pra poça e me vejo novamente, agora não sou mais a forma clássica, perfeita, mas sim, um rosto retorcido, trôpego, que quer virar imagem, mas não consegue.

-Já ouvi uma lenda de que o espelho, às vezes, deixa as vontades à mostra.

-Talvez. O de Narciso o matou. O meu me sufoca, mas não mata.

-Eu não queria um espelho por perto nesse momento. E se não mata. Que seja...

-Só cabe a Nietzsche o consolo. Não a mim.

-Odeio esse sujeito. Odeio com toda a força de todas as minhas verdades.

-Ele adoraria ouvir isso

-Também odeio você.

-Eu adoro ouvir isso.

-Mas Nietzsche falha numa questão fundamental: ele prega a máxima do carpe diem, da liberdade, da evolução, e se mantém por toda a sua obra amarrado aos instintos mais precários, aos valores menos úteis e relevantes, enfim... Ele se perdeu em uma vida que nunca alcançou.

-A utopia é procurar, em uma sala escura, um gato preto que não está lá.

-Lembra-se da tarde que passamos juntos no verão passado? Não sei se eu procurava por alguma coisa, mas encontrei várias.

-Você estava linda. Parecia feliz.

-A felicidade é um cinismo bem compreendido. Sim, eu estava muito feliz. Talvez seja isso que eu deveria ter procurado melhor.

-Ou talvez devesse parar de procurar. A procura interminável anula qualquer resultado satisfatório. Deixa sempre um ar de frustração. De um copo que enche d´água, mas não transborda.

-Será q tensão pode fazer transbordar o futuro em paixão?

-Nem sempre. Às vezes a água é esquentada, mas não ferve. A planta é regada, mas não dá fruto.

-Às vezes o fruto é azedo. Eu não me apaixono por frutos doces demais.

-É típico de você isso. O fruto que está ao seu alcance não te atrai. O caminho obscuro te conquista. Eu não entendo isso em você. Nunca entendi.

-Ai, droga. Me queimei com o cigarro, ai, minha perna.

-Toma... Põe a toalha sobre a queimadura. Que horas são? Eles já deviam estar aqui.

-Ah, você ainda não se acostumou com o atraso do Felipe e da Camila? Eles devem ter parado em algum drive - in... Vou buscar mais caipirinha.

-Odeio quando você fala assim da nossa filha.


- Natália demora a voltar -

- Leonardo acende um cigarro -

- ela volta cantarolando uma frase de jazz -


-Leonardo, esse último cigarro é meu! (rindo) eu parei de fumar a mais tempo... Tenho direito (rindo mais, ele também dá uma risadinha) - Os vícios são a nossa melhor verdade, você não acha?

-Ainda temos algo em comum. O que você acha que eles têm para nos dizer de tão importante?

-A Camila deve ter conseguido aquele emprego no Rio de Janeiro e o Felipe deve ir junto com ela, eles não se desgrudariam. Quando a Camila nasceu, tive ciúme... Percebi q ela roubaria seu amor de mim. Ah... Por que estou falando isso...- uma tragada- Ficaremos nós dois nessa casa imensa.

-Você não quer repensar aquela proposta de swing? -risos

-Pra mim, swing é pra quem é ruim de cama e precisa de disfarces.

-Por isso, meu bem, achei q seria uma boa solução para o seu caso.

-Você nunca me perdoou por eu ter te traído naquela minha viagem à Miami, não é mesmo? Talvez, se fosse um velho você até me perdoasse, mas um homem 14 anos mais novo q você... Eu compreendo.

- ela apóia o braço em volta do pescoço dele -

-Você deve ter mentido sua idade, como fez quando te conheci.

-O que importa é que ele acreditou, não notou q eu era mais velha.

-Eu notei, mas já era tarde.

-Você ainda acredita que o ódio e a raiva escondem tudo que de melhor existe no desejo, nos sentimentos?

-Vista a blusa, Natália. Nossa filha está para chegar.

- ela se levanta, fica andando de um lado para outro, lentamente -

-Você sabe q ela ainda vai demorar. Do que está com medo, então?

-Não quero q ela nos veja assim. É uma criança ainda.

-Ahahahahahahahaha. Uma criança! Pelo amor de Deus! Crianças éramos nós quando nos casamos, aos 20 anos, nossa filha tem 23. Mas você tem razão, vestirei a minha blusa e, quem sabe eu não deva ir com ela pro Rio de Janeiro? Minha ausência não faria nenhuma diferença pra você, não me vê mais como sua mulher...

-Cê vá, você nunca volte; e lembre-se, o Felipe já tem 24. Parece velho para seus gostos.

-o telefone toca.

-Atende?

-Vai atender o telefone.

- conversa rápida, Natália não ouve.

- ela se levanta abruptamente e assim q Leonardo desliga o telefone, grita - Aonde você quer chegar, Leonardo? Heim? Me diz, aonde você quer chegar com tudo isso?

-Era a Camila. Já estão no Rio. Não vieram se despedir.

-Eu gosto de carinho, você sabia disso, eu sou uma mulher, eu sofro, eu, eu, eu... Eu sou gente, Leonardo, eu me machuco...

-A Camila foi embora. Não veio se despedir.

-A Camila é a única pessoa sã dessa casa, ela não agüentava mais ver o jeito como nos tratamos... O emprego no Rio foi a oportunidade que precisava; amanhã eu ligo pra ela.

-Droga! De novo! Esse maldito cigarro! Ai!

-Minha filha se foi - toma o cinzeiro

-Eu vou pra cama, vou me deitar. Sabe, Léo, a única coisa que eu queria, que eu queria mesmo, de verdade, era poder encostar meu rosto no teu peito, ouvir sua voz me contando qual a paisagem dos seus pensamentos... e, ...e... e sentir que a nossa cumplicidade não é uma ilusão...

-Antes, prepara outra caipirinha?
Mas sem limão. Não quero mais nada que azede a minha noite.

-Caipirinha? Outra? Pra quê? Pra que se eu vou dormir com o travesseiro! Ah, Leonardo, não me encha o saco... - ela sai andando.

Ele pega o copo deixado por Natália, tira o limão, afasta todo gelo com os dedos e bebe somente a vodca, de um gole só, enquanto olha a foto de seu casamento. Pouco antes de uma lágrima cair, dá uma forte tragada no cigarro, deita no sofá e erra a letra que Ray Charles cantava.

.Daniela González e Fernando Galvão. Terça-feira, 2:30 da manhã. Era p ser uma entrevista, virou um quase-conto. Gracias.

10 comentários:

Daniela González disse...

cadê o Mileeeeeeeeees?! buáaa! até já sei pq vc fez isso.

eu acho q só duas pessoas mto fúteis poderiam escrever uma abobrinha como essa, rsrs.

a entrevista está na gaveta, aguarde.

Daniela González disse...

quero mais conto. e é um conto.

Anônimo disse...

fascinante... parece um daqueles contos que o Márcio Renato passava pra gente.

Rafael disse...

Faltou o João Paulo Cunha

.barile disse...

o q será q o rafael quis dizer?

Anônimo disse...

Caipirinha??

Anônimo disse...

Opa! Estamos ai...

Anônimo disse...

eu tbm não entendi o q quis dizer o rafael (?)

.barile disse...

hmm... Acho q ele está falando do outro post, o dos políticos eleitos. Ou está bêbado.

Anônimo disse...

Rafael é um menino lá da nossa sala... isso é paradoxal... peraí! Não, num é não... é Kolinos, todos esses nomes...