
Por que alguém lê um livro?
Não é compatível, à essa pergunta, uma resposta unânime. Os motivos são os mais variados: indicação de alguém; identificação com o tema ou autor; pesquisa por informações e tantos outros. O ponto em comum de todos os diferentes motivos que levam uma pessoa a ler um livro é a sensação de que, após o feito completo, você será uma pessoa melhor, ao menos em algum aspecto.
Por que alguém lê "Harry Potter"?
325 milhões de pessoas ao redor do mundo já o fizeram. E tiveram seus motivos. Dentre eles, faço uma ressalva às razões profissionais (críticos, jornalistas e outros) ou uma procura de contextualização cultural, a fim de saber o porquê de tanto alarde a um livro sobre um bruxinho. De resto, não sobra muito. O que leva milhares de crianças e adultos a se enfileirarem diante das livrarias à espera do último episódio da série vai totalmente de encontro ao prazer que uma boa literatura pode proporcionar. Vestir uma capa roxa em meio a um frenesi curioso em descobrir o final do livro, em ser o primeiro a saber se o bruxinho vai ou não morrer, em se tornar o único da turma a possuir o último episódio lançado, combina muito mais com eventos midiáticos de massa, arquitetados por estratégias avassaladoras de marketing, do que com literatura. Essas pessoas lêem "Harry Potter" para se sentirem bem diante das outras. Especialmente os mais novos (público alvo da edição), que lêem para não se sentir deslocados de seu grupo de amigos.
É obvio que é agradável ver adolescentes interessados em leitura ao invés de jogos de computador, e um grupo de garotos em volta de uma livraria é bem mais promissor que um ao redor de uma lan-house. O que incomoda é uma super-valorização totalmente incompatível a mais um produto da indústria do consumismo: A série "Harry Potter" não pode ter status maior do que um Tamagoshi.
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A trama é simplória demais, não há como ver um filme sem rir: Um herói infalível, representante legítimo do Bem, enfrenta criaturas feias e malvadas. O bruxinho sempre ganha. Harry não sofre desvios de personalidade em meio a uma narração previsível. Torna-se uma espécie de anti-herói da cultura, moldado em um personagem raso, linear, plano. O típico ídolo juvenil que poderia salvar o planeta em qualquer sessão da tarde. O ambiente sombrio (destacado na versão cinematográfica do excelente Alejandro González Inãrritu) criado por Rowling, que nos remete levemente à estética literária de Edgar Allan Poe, talvez seja o ponto forte da série. Mas é apenas um sorriso em meio a um terremoto. Talvez isso não salte aos olhos de quem encontra-se momentaneamente cego pelo vício do consumo, no caso, manifestado em forma de livro. O importante é, no final da semana, olhar para o vizinho e dizer: "Eu já li", "Eu sei o que acontece no final". Hoje, ler Harry Potter está na moda, assim como usar ombreiras esteve nos anos 80. Só resta saber se um dia os fãs do bruxinho também irão se envergonhar disso.